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Quem é você?

Atualizado: 3 de dez. de 2023


Foto de Ralph (Ravi) Kayden na Unsplash

Tento responder esta pergunta num questionário para escritores. E sou surpreendida por mim mesma. Vou desvendando, um tanto pasma, faces ocultas num baú de intimidades que ouso agora expandir na luz do dia , sinônimo moderno de divulgar na internet. A Internet, diga-se de passagem, substitui os confessionários de antigamente. Porque, de igual forma, continuamos anônimos, ocultos por uma janelinha virtual, antes de madeira furada. Continuamos a nos reduzir a vultos, tanto quem escuta, como quem confessa.... Imaginem que até a palavra confessa intui em si mesma algo a esconder, por motivos ímpares. Mais instigante ainda é sabermos que mesmo esta proposta de privacidade da janelinha agora se esfarela no coisa alguma do mundo virtual.


Quem sou eu? Não sei, é a resposta mais imediata. Fico surpresa em me perceber sem resposta. Porque afinal não quero me definir por laços, como mãe, filha, irmã, dona de casa, profissional, amiga, brasileira, 4 vivências conjugais, 4 filhos, netos, bisnetos... mora em Porto Alegre, formou-se em Pedagogia, mas nunca exerceu. Foi bancária concursada por 35 anos! Mora em Condomínio, mas domínio nenhum tem sobre seus vizinhos, que ultrapasse bom-dia-boa-tarde-boa noite! Gosta de ler, de escrever, quer ser escritora publicada. Gosta de música, viajar, falar com os outros, e ouvir o outro. Tem um certo desconforto por estar ficando velha, manchada, enrugada, um tanto acima do peso, e se sentir pesada para tudo, inclusive nos mais leves escapes para a imaginação. Nestas horas se pergunta: "Pô, quando vais botar os pés no chão?" Para compensar isto alça mais altos voos ainda em sua imaginação. Veja só, comecei no 'eu', e já passei para a terceira pessoa ligeirinho. Tentativa de tomar distância, ainda que virtual, deste mim mesma, esfumaçado para mim mesma, com o perdão, não do padre, mas do pleonasmo.


Morei em mais de 50 endereços desde que nasci...filha adotada aos 5 anos, irmãos, meio irmãos. Tenho preguiças e medos, alegrias e tristezas, inquietude e incertezas. Choro fácil. E rio fácil também. Embora a palavra rio sirva muito mais para designar meu choro. Choro rios, mares e oceanos. Mas nada disto me define. Não sou estas coisas, nem estes sentimentos. Sei que tudo isto são efeitos. Pela primeira vez me deparo diante de mim, sem resposta que me satisfaça. Não sei quem sou. Embora não entenda muito bem, sei com certeza lógica que não sou o efeito. Mas se sou causa, é obscura ou oculta. Tenho uma história, mas não sou a minha história. Ela me define, me desenha, me esboça, mas não é eu.


Não consigo me ver, a não ser nos meus atos, feitos e desfeitos. Mas o insatisfatório desta percepção é que o efeito é sempre fruto de algo no passado. Já foi. Já era. Isto sou eu? O efeito passa, mas o que o causou não. A ação nada é, em si, depois de realizada. Tem algo que a move. Eu só consigo me ver no que faço ou fiz, depois de tomar forma, que afinal logo se desfaz, cai no passado, perde a vida efêmera. Porque afinal, o faço passa para o fiz, no mesmo instante em que se revela, até mesmo no pensar. Quem sou eu? Paro para pensar. Existe algo ou alguém agindo, pensando sentindo, demonstrando, amando, se enraivecendo, se escondendo e saindo timidamente, de súbito e indetectável pelos sentidos da minha carne, e muito provavelmente pelo olhar e ouvir do outro também. Existe algo invisível e indizível que me move, este é o meu eu.


Acabo de descobrir que meus medos, meus desejos, meus propósitos e anseios vêm de um esboço. Um desenho grafitado em qualquer muro, desbotado pelas chuvas e intempéries do viver. Sou governada por este rótulo, projetado em via pública, robotizada, atada, por minha identidade desenhada, num papel de cal. Quem me desenha? Vivo dentro dos limites de minha história, e segundo seu enredo me enredo. Como se existisse um escravo e seu feitor. Isto! Tem um feitor que nunca mostra a cara! Mas o escravo tem consciência de ser escravo. Ele só é escravo de sua própria escravidão, em meio à sua história. Ele acredita na sua história. Quem sou eu? O Feitor ou o escravo? Ou ambos? Ou nenhum? Ou algo ainda além? Começo a perceber que sou algo além. Não posso tomar a roupa por quem a veste, mas é isto que faço. O personagem que mata alguém no palco, deveria ser preso no seu ator, ao final da peça? Não tem resposta para o quem sou eu, para ninguém. Porque buscamos nos encontrar em retalhos, rastros de civilizações tão perdidas quanto nós ainda somos, nesta busca de si mesmo. A luz não se retalha, atravessa inteira pelos abismos mais profundos. A ela me rendo, na humildade de objeto apenas refletido.

2 Comments

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Raul Santos
Raul Santos
Jul 03, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

Narrativas com fluidez, que prendem a atenção do leitor!

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irenegenecco
irenegenecco
Jul 03, 2023
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Você é um fofo! Muito obrigada!😍

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