Me sinto vazia quando não encontro palavras para me expressar, ou quando elas perdem o sentido de exatidão do que penso e do que sinto. A palavra, junto à ação, é ponte entre o eu e o tu, que nos transforma magicamente em NÓS. São pronomes, e são também amarras que selam o encontro entre seres e tecem uma corrente de unificação e presença. Mas há momentos em que nos fogem quaisquer definições, e nos sentimos privados de elos. É o indizível, penso, também uma palavra, mas vazia, não cruza o oceano de singularidades vivenciadas, que ao serem ditas nos inclui todos no mesmo barco, na aventura de viver. Palavras vazias criam um lapso de silêncio entre nós. Mas não desisto de pensar. Não desisto de falar. Não desisto de escrever. Fico no aguardo. Há de vir a palavra viva que não se degrada, e será a guilhotina do senso finito e mortal, do silêncio intermitente que aflige e conflita.
Confio em ti é meu alento. Esta confiança não é um trunfo, é minha natureza. Os trunfos caem, sucumbem, se esfarelam nas guerras e disputas, cujo emaranhado me prende confunde e esvazia. Um longo e profundo suspiro me alivia. Sou feita de brisa e vento, num balão soprado por um além que desconheço. No entanto, permaneço. A morada da permanência é a eternidade, cuja palavra que não degrada é Espírito. Desço ao mito da maçã. Ou subo. Comer ou não comer? Desde o princípio, é a grande questão, embora aqui se refira a um comer simbólico, à tentação de ingerir uma contradição às próprias certezas ainda por digerir. Nada mais oportuno para a própria integridade do que comer, já pensava Cronos, quando devorava seus filhos. De fato, o tempo devora nossos filhos (pensamentos e ações) na cronologia da vida humana. Nosso pensar, nosso agir, nosso viver afinal, se transformam aleatória e continuamente, e se esvaem, se não houver nisto um propósito firme de crescimento, ou desdobramento do espírito. Pensamentos sem rédeas são voláteis e inconsistentes se não os cimentarmos com vida vivida e vívida, ou seja, com um propósito de vida, que passe pelo nosso entendimento e pela nossa escolha.
Particularmente Kairós – o oposto de Cronos - me parece mais sensato. Para ele não importa o tempo cronológico, os anos, o relógio. Ele acredita no tempo oportuno, ou seja, no agora. O tempo é vivo, é sempre agora, num convite a viver plenamente o que vier. Nossos pensamentos só podem ser vivificados no agora. Talvez o agora a viver esteja muito ligado à expressão bíblica palavra viva. Para que o que se pensa e o que se diz tenham real valor é preciso EXISTIR, ou seja, ser demonstrado em AÇÃO. O existir é movido pela força da vida, da inteligência, do discernimento, do bem e do amor, e não tão somente por palavras vãs. No indivíduo há fome de unir-se ao outro. A própria palavra já significa um duo indivisível. Ou seja, a consciência do eu se constitui e se confirma no olhar do outro. Nossa consciência se reparte e se aventura em fora e dentro de si mesma, criando muitas vezes um imaginário de solidão e medo. Cresce uma força em nós, qual poderoso imã a nos atrair de volta à casa do Pai, metáfora do provimento e da proteção. Mas não só metáfora. É algo que pulsa e nos impulsiona a ir além, em busca de algo que nos torna grandiosos apenas por existirmos, a que chamamos AMOR. Só a certeza de amarmos e sermos infinita e eternamente amados nos liberta das escolhas aleatórias e danosas de uma suposta autossuficiência.
"Eu não preciso de você' é a maior mentira humana para si mesmo, seja este você o outro, e/ou a transcendência divina. Precisamos encarar nossa fragilidade emocional e fazer escolhas reais, que nos tragam equilíbrio. Porém, se entre dois caminhos opostos nos sentimos obrigados a escolher um, não exerceremos nosso livre arbítrio. A real liberdade de escolha passa pelo aprendizado, e só se realiza pelo entendimento e pela razão. Se brincamos, e entregamo-nos ao jogo do uni-duni-tê da sorte e do acaso, estamos sujeitos a nos quebrarmos, a nos ferirmos, e a perdermo-nos. O comer simbólico de uma maçã, incitado por uma metafórica serpente falante, faz-se aqui indício de um caminho sinuoso a percorrer. Caminhos tortuosos enfeitiçam e embriagam, e parecem nos entregar mais facilmente uma pertença, ainda que não nos questionemos sobre o bem e o mal neste pertencimento. Vem-me à tona a letra - minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos, meu sangue latino - (Secos & Molhados). Tudo pelo sangue derramado na hierarquia humana, falível, enganosa e mortal que nos convoca e atiça ao senso “meu”, como demarcação de posse e identidade. É uma falsa pertença, uma vez que a única coisa que nos pertence de fato é nossa consciência. E ela é vazia, se nossa base ou nossas premissas partirem da matéria bruta ou somente de nossos limitados sentidos físicos.
A questão é que, quanto à verdade, não cabe tentação, nela não paira a dubiedade. Caminhos retos e estreitos são provocativos ao esforço e à luta pelo bem, pela harmonia e pela paz. Na retidão a Verdade se revela mansa e coerente, não há desvios, exigindo como fundamento concentração, disciplina, honestidade e propósito. Significa também entrega e imolação do ego - interesses mundanos, superficiais, auto extinguíveis, mas com um brilho hipnótico atraente, cuja queda em seus laços nos custa sempre nossa própria identidade. Quanto ao tortuoso, nunca pensei possível deglutir que uma inocente maçã, por exemplo, pudesse corromper um vivente para sempre e condená-lo à eterna errância. Nunca pude deglutir esta metáfora indigesta. Nunca pensei possível um deus que expusesse e abandonasse um filho ao erro, a ainda por cima o amaldiçoasse e o castigasse depois, sabendo de antemão que ele cairia. Nunca pensei, ou melhor, nunca aceitei. Nas minhas reflexões quanto a pensar, a expressão “penso logo existo” dá o que pensar. Isto está longe de contradizer gratuitamente, por soberba ou vaidade, quem o pensou - Descartes - e o deduziu pelos seus esforços em busca da verdade. É que pensar, em si mesmo, nos pareia na natureza humana da eterna busca, onde não há pensadores e não pensadores, filósofos ou não filósofos. Todos buscam a verdade, ainda que por vezes por caminhos tortos e obscuros.
Vejo, porém, que não basta perceber-se pensante. Para existir de fato é preciso fazer-se sujeito, no pensar de Sartre - o existencialismo. Nesta lógica, há um primeiro existir, onde qualquer mortal se enquadra. Porém fazer escolhas e traçar caminhos constrói uma segunda existência, esta sim, a essência do ser. Mesmo em um declarado e absoluto ateísmo, Sartre não se livrou de ser capturado pela verdade metafísica declarada por Jesus a Nicodemos: para entrar no Reino de Deus, é preciso nascer de novo. Ou seja, só pelo processo de alquimia dos equívocos humanos, debaixo de suor, sangue e lágrimas, é possível alcançar o Reino da paz, da harmonia e do amor eternos. Vai daí que a existência precede a essência. Existir até as pedras existem. Porém ser e ter consciência de ser, só ao humano é concedido. Por isto a importância das escolhas. Um existir não depende de mim, o outro, sim. A mim parece que a afirmação só sei que nada sei é bem mais próxima da verdade. Mas, saber que nada sei já é saber alguma coisa, não, Sócrates? Ai, o labirinto! A eterna ameaça a Teseu à tesão de viver! Estaremos condenados à consciência de sonambular? Para Sartre, estamos condenados a escolher. Porque mesmo ao abdicar de escolher, já o estamos fazendo.
Particularmente, penso que este é o pr’ego que nos prende ao equívoco de querer eternizar o finito: a pretensão suposta de uma dualidade possível de convivência entre bem e mal, que nos possa trazer paz, em meio a contradições e dúvidas. Disto brotam uma falsa língua, uma falsa boca, um falso fruto, pois a dúvida perene é mãe da inconstância, e avó das aflições. Só existe uma certeza: o Bem para todos. Apostar no mal nos desconstrói e nos derruba numa eterna fenda de absurdos mortais. A verdade em si é una, infalível, incorruptível, indubitável, mas é ocultada sob um véu de vaidades e apego a aparências. A unidade, ou o sermos todos UM, se me parece a paz que busco, na insistente e inequívoca consciência do SER, existente pela eternidade. Ser e Existir são inseparáveis, faces da mesma moeda. Um não existe sem o outro. Um é substância, o outro é sua manifestação. A consciência disto fecha o enigma da Santíssima Trindade.
Comentarios